Un réel pour le XXI sciècle
ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE PSICANÁLISE
IX Congresso da AMP • 14-18 abril 2014 • Paris • Palais des Congrès • www.wapol.org

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Eric Laurent
Entrevista sobre o tema do congresso "Um real para o século XXI"
realizada por Anaëlle Lebovits-Quenehen

Anaëlle Lebovits-Quenehen: O que esse título "Um real para o século XXI" inspira em você?

Éric Laurent: Muitas coisas. O que ele me inspira em primeiro lugar é o singular. E, ao mesmo tempo, não se trata do real no século XXI, mas de um real. De cara isso remete à ideia de que, para a orientação lacaniana que é a nossa, cada discurso aborda um modo do impossível que define o real. O discurso da ciência tem o seu, o discurso da psicanálise idem.

Esse modo do real é efetivamente determinado pelas particularidades do século XXI. Nós entramos este século no que se pode chamar de era digital (numérica). É um século em que tudo se contará, tudo se acumulará. E vemos o surgimento, o florescimento de um significante que se derrama como um rastilho e que marca a importância do que são agora os poderes do cálculo: Big Data. O outro significante que se derrama em tudo o que é nosso campo – digamos aquele da experiência subjetiva – designa o modo como o sujeito do século XXI tem relação com uma quantificação de si-mesmo: o Quantified Self. O sujeito está cercado de objetos como os tablets, os computadores etc. E logo será anunciada a nova geração das bugigangas que vão substituir os tablets e que serão diretamente conectadas ao corpo: não apenas o Google glass, mas todo um conjunto de aparelhagens que poderão fornecer permanentemente uma imagem quantificada do corpo e de seu funcionamento.

De um lado há, então, o Quantified Self e tudo o que pode ser digitalizado, e de outro, há o que não se pode tornar digital: o gozo que, justamente, está sempre em excesso ou em déficit, e não cessa de se alojar nas falhas de tudo o que pode vir a se tornar digital.

A. L.-Q.: Justamente, o que essa pretensão casa vez mais insistente de calcular tudo, inclusive o incalculável, muda no modo como o gozo se manifesta?

E. L.: O que isso muda é que, primeiramente, esse gozo retorna. Ele retorna justamente como um tipo de real não absorvível no discurso comum, nem pelas ficções jurídicas, nem pelos cálculos – isto quer dizer que esse gozo escapa ao modo de certeza calculável que é o único tipo de certeza admitido em nosso mundo. Em segundo lugar, a forma de retorno desse gozo faz com que seja o gozo de cada um, um por um, que não consegue cifrar-se e entrar nos procedimentos que permitiriam obter o gozo "certo". Digamos que, diante do um por um do gozo, haverá sempre mais manifestações para todos. É isto que causa os recursos a um quadro para todos, e os fundamentalismos religiosos.

A. L.-Q.: De fato, se o acompanhamos quanto à fragmentação dos modos de gozo, talvez haja a maior preocupação em criar uma civilização Una no século XXI. Não se tem mais quase nada além dos modos de gozo que escapam ao 'para todos' e que, por conseguinte, exigem um 'para todos' cada vez mais restrito e marcado, ou pelo menos claramente definido.

E. L.: O mundo da lei e do fora da lei foi atualmente substituído por um mundo de normas. Um mundo de normas que não cessa de definir um universo em que estamos ao mesmo tempo na norma e fora dela. E, no fundo, o fragmento é acompanhado de modo marcante por esse espaço, por essa topologia do ilimitado que redistribui as ficções em torno dessa produção de normas continuamente renovada, dessa normatização constante do sujeito quantificado.

A. L.-Q.: Pelo fato de que o ilimitado é mais visto, mais experimentado pelos sujeitos, há uma redefinição permanente das normas. É preciso incessantemente criar novas ficções para tentar responder a esse ilimitado do gozo. Na sua opinião, este seria um dos modos de especificar o século XXI?

E. L.: Com a desenfreada produção legislativa e o famoso: « para cada pequeno fato do cotidiano uma lei », vemos que há algo da ordem do transtorno profundo na lei, que é reconduzida a uma espécie de produção de normas incessantemente renovada, ao passo que os estatutos da lei e das normas tendem incessantemente a se confundir.

No campo da psicopatologia, assistimos a uma crise do modelo quantificado do DSM, ao passo que, durante trinta anos, ele quis se afirmar como o software de comando do campo da psicopatologia e da psiquiatria, ele está agora fragmentado em softwares, muito parciais e concorrentes, sem nenhum modelo dominante. Essa grande tentativa de quantificar, de ordenar, de colocar em cifras se desmorona, pois o DSM, para retomar os propósitos do Diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental Americana, não remete a nada de "cientificamente provado": nada prova que essas categorias clínicas remetem a um real interessante. Pelo menos, elas não servem para grande coisa, uma vez que em trinta anos de desdobramentos desse manual, chegou-se ao ponto em que grandes grupos farmacêuticos, Big Pharma, declararam no último verão que fecharam um por um todos os seus laboratórios de pesquisas sobre as moléculas, pois, "no estado atual da ciência", era arriscado demais, perigoso demais, prosseguir com as pesquisas sobre os medicamentos – eles explicam que não se sabe o suficiente para desembocar em algo e que seria preciso recomeçar a partir de novas bases.

A. L.-Q.: O que se desnuda no que você diz, é a que ponto a ficção é ficção. Temos a impressão de que até pouco tempo a ficção era suficientemente adjacente ao real para tratá-lo e hoje, pelo contrário, há uma desconexão entre as ficções e o real que elas supostamente tratariam –e portanto a exigência de uma renovação incessante dessas ficções.

E. L.: Nosso esforço é de constatar que tudo isso produz um tipo de laço social que precisamente está à procura de um laço. Para tomar exemplos políticos, vejam a relação entre a tecnologia e as primaveras árabes, ou os indignados na Europa e nos Estados-Unidos. Assistimos a formas inéditas de reunir graças às novas tecnologias. Mas, como dizia Kissinger a dois responsáveis pela Google, o problema é que podemos nos encontrar uma vez, duas vezes, dez vezes, quinze vezes no mesmo lugar, mas depois, o que fazemos? Muitos comentadores disseram que essas Primaveras eram formidáveis, pois se tratava de uma multidão sem líder. Vimos que isso tem um preço. Como mais ninguém sabe o que fazer, assistimos então ao retorno dos antigos sistemas: o tirano Erdogan, os militares no Egito... Toda essa fragmentação está em busca disto que não chamamos simplesmente de leadership, mas de transferência. É preciso uma transferência a corpos encarnados, é isto que se busca. E é por essa razão que, em face da desmaterialização, da quantificação, o laço com o psicanalista, o laço transferencial com o corpo a corpo que a psicanálise instaura, restitui, pelo contrário, um discurso que se sustentará tanto mais porque terá que haver-se com essa fragmentação quantificada.

A. L.-Q.: Éric Laurent, muito obrigada.


Transcrição: Damien Botté; edição: Alice Delarue.
Tradução: Teresinha N. M. Prado.